Por Tathiana Wencik
As lembranças da minha infância são extremamente fragmentadas e poucas. Talvez pelo tumultuado divórcio que meus pais passaram. Para mim ficou a lembrança das indas e vindas de casas e uma coisa muito sólida: o judaísmo. O que me identificava como pessoa, filha e aluna.
Cresci desde então, formando lembranças mais claras e constitui uma linda família. Realizei muitos sonhos... mas faltava um deles, um muito, muito importante: conhecer Israel. Faltava, pois realizei esse sonho e tenho lembranças tão fortes, que jamais irei esquecer.
O choro começou quando decidimos meu marido e eu que realmente eu iria. Ele não poderia me acompanhar e decidimos que meu filho mais velho iria comigo. Pois na possibilidade de ir imediata, porém sozinha, eu não via alegria. Pois o que adiante viver um sonho sozinha, ele perde o sentido, compartilhar é tudo de bom.
Sabe aquela sensação de casar? E depois, quando grávida? Aí vem o neném perfeitinho... tudo parece lindo, nada da errado. Então, foi assim minha viagem. Marquei na empresa aérea que todos indicavam, consegui o vôo no dia adequado, preparei tudo... E o que não preparava ia se ajeitando surpreendentemente.
Embarque feito, vôo ótimo. Foi aí que tudo começou: aquela televisãozinha em contagem regrecissiva... tudo sob controle, até chegar nos minutos finais...que alegria, que choro gostoso. Acho até que aquelas lágrimas eram doces... Recepção maravilhosa. Ficamos em casa de amigos, que também tem filhos da mesma idade dos meus. Tínhamos lasanha na mesa nos esperando e um ótimo ar condicionado no quarto, afinal ir para Israel, em julho, não basta amor, precisa de ar condicionado e água muita água.
Que Jet leg que nada, com a adrenalina a mil, não sentimos a diferença de fuso. Dormimos no horário normal da família e acordamos com o pique todo às 7 da manhã do dia seguinte. De entrada saímos de Herzilia onde estávamos hospedados e fomos conhecer o Porto de Yaffo. Uau.... Parecia filme de Indiana Jones, tinha uma tenda montada com alguns arqueólogos realmente trabalhando... com roupa caque, chapéu, machadinha e tudo mais. Cruzamos com o primeiro de muitos grupos de jovens turistas, e dali visitamos nossa primeira ruína. Fica numa rua subterrânea, e lá eles fizeram algo muito legal: você entra num museu (ar condicionado, claro) vê um audiovisual, e depois anda por cima da rua e o guia explica tudo, inclusive por que identificaram determinada casa como sendo de um judeu. O meu filho delira, pois ao final da explicação as pseudogravuras das paredes começ am a se mexer e começa outro audiovisual, com chuva caindo em nós simulando uma tempestade no porto. Dali saímos ao shuk Carmel... o almoço: burekas...no saco mesmo e andando para não perder tempo.
Os dias se desenrolaram como um filme. Mal tinha tempo de mandar noticias para casa, apenas entrava no skipe, dava breves relatórios, ou mandava emails. Fomos á Rosh Hanikra... uau que fotos, lugar maravilhoso. Passamos na volta em Akko, quase comprei o shoffar, primeiro item da lista de presentes do meu marido. ainda bem que resisti, comprei no shuk em Jerusalém por um terço do preço!
A vantagem de ficar em um lar israelense é você provar Israel por inteiro. Ida aos mercadinhos, feira livre orgânica, ter em seu amigo um seletor de canais particular, poder ler os bilhetes de geladeira em hebraico, e aprender que podemos ter jardins e quintais maravilhosos... afinal mesmo com a escassez de água com aquelas mangueirinhas eles fazem milagres!
Por falar em milagres, aconteceu um comigo. Não, não é brincadeira nem força de expressão. Já vou chegar lá...
Fomos a Massada, Mar morte, Kineret, Rosh Pina, Tzfat e muitas cidadezinhas, mas não há nada, nada que se compare com a Jerusalém. Chegamos à cidade no meio da manhã, e estacionamos ao lado da cidade velha, num shopping enorme. Isso é meio irreal, pois como turista eu imaginava algo menos urbanos ao lado da cidade velha. Beijei a mezuza na Porta de Java sob o olhar da minha amiga que me perguntou se eu era religiosa... eu disse que era judia, e isso bastava para mim. Passamos as próximas horas na Torre de Davi que conta com uma exposição surpreendente sobre todas as etapas que Jerusalém passou ocupações, povos, destruições... adorei. Dali, paramos no quarteirão judaico e comemos nosso falafel e swarma. Pedi logo um de cada para mim e meu filho assim provamos os dois com suco de maçã... o legal era olhar dezenas de turistas, religiosos, ortodoxos, ultra-ortodoxos, mega –ortodoxos, e nós, ali no meio daquilo tudo e o coração palpitando ao imaginar que eu estava a poucos metros do Kotel.
Meu dia chegou, era ali, logo mais. Acabamos de comer e fomos à direção. EU já estava preparada, todos diziam que era pequeno, que a ala das mulheres era minúscula, e que provavelmente não entraria com meu filho. Lembra quando disse que a viagem foi perfeita? Pois é... foi. Achei o Kotel enorme, e de mãos dadas caminhei na direção do Kotel com meu filho. O chão a essa altura nem existia para mim. Chegando pertinho, uma senhora acabou sua reza e nos cedeu o lugar, nos encaixamos eu e meu filho num espaço minúsculo. Colocamos a mão naquela parede gasta pelo toque e sentimos uma vibração imensa. Clara... cai no choro, agarrada ao meus tehilim e a outra mão no Kotel. Num momento meu filho me chamou a atenção que caiu algo do meu livro, era a foto da minha mãe. Ele começou a chorar, e chorar. As lagrimas brotavam daquele rostinho lindo, seu corpo se curvou perante o maior símbolo do nosso povo. Eu o acalentei e disse que isso era uma emoção natural, que ele poderia respirar fundo... demorou um tanto e nos dois rezamos pela primeira vez no Kotel.
Saímos de lá, praticamente ao por do sol, e passeamos mais um pouco... pegamos a estrada de volta á Tel Aviv perto das 22hs. Quando entramos na serra, minha amiga diz que a luz da temperatura acendeu. Era isso: os 10 minutos mais sinistros que eu iria viver tinha começado. Resumindo foram uns 10 minutos, completamente sem motor, freio, nada, nada e ela aumentou o perigo me dizendo que o freio de mão do carro tinha problemas. Não vou mentir pensei que iria morrer, pensei que era para isso que viajei á Israel, por isso demorou tanto. Senti uma enorme pena de deixar meu marido e meu filho caçula. Nesses meus últimos momentos, pedi as crianças no banco de trás (era meu filho os dois da minha amiga) que ficasse quieto que estávamos com probleminhas e esperasse. Eles ficaram pela primeira vez bem quietinhos e nós duas, como numa simulação fomos conversando, baixinho sem as crianças perceberem fomos cogitando às melhores alternativas.
EU pedi a ela que fosse ao acostamento e que batesse o carro do meu lado que meu corpo amorteceria o impacto nas crianças. Mas ela preferir seguir, o carro ganhou velocidade e após alguns minutos avistamos um posto, calculamos a melhor linha de parada fomos em direção, para caberia puxar o freio de mão, rezei a Dús como nunca, jamais rezei, agradeci a ele a todo o momento por tudo que tive nessa vida e roguei a ele pelos meus filhos e marido. O carro parou com tanta precisão que ainda tivemos tempo de abaixar o freio de mão e estacionar. Para dar veracidade ao que aconteceu basta dizer que o carro fundiu o motor e o cambio foi perda total. Nenhum arranhão em nós ou no carro.
Por isso eu não posso imagina que a viagem não foi maravilhosa, eu não só conheci o Kotel, claro voltei lá para agradecer. Mas ganhei um presente enorme: a constatação da minha fé. Em nenhum momento eu duvidei que fosse á Israel. Em nenhum momento eu duvidei da existência divina. Em virtude da gravidade em que nos encontrava naquele carro, em nenhum momento eu deixei de lutar ou agradecer a Dús. A presença divina na minha vida, e seu eu duvidava de minha fé, hoje certamente não duvido mais. Ela não é maior que naquele dia, o que mudou foi a minha convicção em ser judia, do meu jeito, com as minhas tradições. Não sou mais nem menos que qualquer judeu. Para beijar a mezuza eu não preciso de explicação, para acreditar em Dús eu não preciso de motivos, eu acredito e pronto. "