Rabi Shneor Zalman de Liadi foi o fundador da Chassidut Chabad, movimento que se revelou num dos mais fortes e dinâmicos ramos do chassidismo.
Este movimento fundado na Lituânia em 5533 (1773) cresceu muito além das fronteiras deste centro outrora poderoso da vida judaica, e ganhou partidários no mundo inteiro.
Rabi Shneor Zalman era um descendente direto do Maharal de Praga. Seu bisavô vivia em uma aldeia em Posen. A família se deslocou para o leste, migrando através da Galícia e da Polônia, fixando-se em Vitebsk, um centro florescente de erudição talmúdica e de Torá.
Foi ali que seu pai, Rabi Baruch, nasceu e se criou no espírito e na tradição do estudo. Mais tarde mudou-se para Liozna, próximo da cidade de Lubavitch, que viria a ser famosa como a sede da dinastia dos descendentes do Rav. Neste local nasceu Rabi Shneor Zalman onde recebeu sua instrução primária. Desde criança demonstrou uma inteligência extraordinária e devoção aos seus estudos.
A fim de desenvolver mais a erudição de seu filho, Rabi Baruch levou-o a um renomado mestre da época, Rabi Yissachar Ber de Cobilnik, que vivia em Lubavitch. Sob a tutela de Rabi Yissachar Ber, o jovem erudito atravessou o "mar do Talmud" em todas as direções e se familiarizou com a Cabalá, o lado esotérico da sabedoria da Torá tradicional.
Em seu tempo livre, o garoto aumentava ainda mais os seus conhecimentos através do estudo de Ciências e Matemática. Não passou muito tempo e o Rabi Yissachar Ber mandou chamar o Rabi Baruch e disse, para alegria do mesmo: "Não há nada mais que eu possa ensinar ao seu filho; o seu conhecimento já me ultrapassou."
Rabi Baruch levou Shneor Zalman para Vitebsk. O menino de doze anos ganhou reconhecimento imediato e fama de gênio e foi aceito em meio aos grandes eruditos da cidade.
Anos se passaram e um homem rico o selecionou para ser seu genro e o sustentou a fim de que pudesse devotar sua atenção ao estudo exclusivo da Torá. Numerosos relatos daqueles anos atestam a insaciável sede de saber de Rabi Shneor Zalman.
Aos vinte anos, esse jovem brilhante, com o consentimento de sua esposa, deixou lar e família a fim de procurar a realização de um anseio de sua alma. Apesar de todo seu conhecimento e sabedoria, sentia que lhe faltava um elemento da experiência religiosa-judaica, que não poderia ser captada na solidão das quatro paredes de seu próprio estúdio.
Dois centros de estudo e liderança judaica disputavam sua atenção: Vilna, a sede principal da erudição talmúdica e fortaleza da oposição ao jovem, crescente ao movimento chassídico, e Mezritch, a sede do Rabi Dov Ber, o famoso Maguid, herdeiro da ideologia de Rabi Yisrael Báal Shem Tov e da liderança do movimento chassídico.
Desde o início, Rabi Shneor Zalman compreendeu que a atmosfera sóbria e racionalista de Vilna e seus eruditos, encabeçados pelo Gaon, Rabi Eliyháhu, não podia oferecer-lhe aquilo que procurava. Rabi Shneor Zalman sentia que sua necessidade não era de instrução talmúdica, mas de orientação em Avodá (como servir D'us). Por isso decidiu tentar Mezritch, onde um novo mundo o chamava, um mundo que ensinava seu povo como rezar.
Cheio de esperança e expectativa, mas com poucos recursos materiais, partiu para a longa jornada. A fim de pagar a viagem, aceitava quaisquer tarefas que aparecessem, rachando lenha e trabalhando nos campos. Mesmo assim, precisou fazer a maior parte do caminho para Mezritch a pé.
A primeira impressão do círculo interno de discípulos reunidos em torno do Rabi Dov Ber de Mezritch não foi muito encorajadora. Ele esperava uma grande academia transbordante de personalidades brilhantes...Ao invés disto, encontrou um grupo de pessoas reservadas e modestas, onde, à primeira vista, pareciam não possuir algo digno de sua procura. Ele já se preparava para partir, quando seus olhos foram abertos para a verdadeira natureza do Mestre e de sua esfera de alunos. Ao ir se despedir do Mestre, antes de retornar a Liozna, os olhos do Rabi Dov Ber o encontraram e penetraram intensamente em sua alma, explorando e avaliando cada uma de suas qualidades.
Após alguns minutos de silêncio, o Mestre não só lhe disse o que estava em sua mente, mas sem ter sido perguntado, deu a Rabi Shneor Zalman respostas espantosamente simples, porém, convincentes, a algumas indagações do teste que o jovem erudito preparara, a fim de assegurar a si próprio um mestre condigno. Profundamente impressionado, Rabi Shneor Zalman suplicou ser admitido no círculo dos discípulos de Rabi Dov Ber.
Um novo mundo desdobrou-se diante de seus olhos ávidos à medida que absorvia as discussões diárias do Maguid sobre os ensinamentos do Báal Shem Tov.
O filho de Rabi Dov Ber, Rabi Avraham, conhecido como "Malach", anjo, foi seu guia para essa mais alta esfera de sabedoria e conhecimento. Em troca, Rabi Shneor Zalman o instruía na área da Halachá - a parte maior da literatura talmúdica e rabínica que trata da Lei Judaica.
Rabi Shneor Zalman absorveu os ensinamentos da Chassidut e satisfez os anseios de sua alma, que o fizera deixar o lar e a família. Jamais lamentou ter optado por Mezritch à Vilna.
Rabi Dov Ber expôs a todos as extraordinárias qualidades do Rav e o revelou como "uma luz em Israel". Ele ordenou a Rabi Shneor Zalman, que contava com vinte e cinco anos, que reescrevesse o Código da Lei Judaica, de modo a incluir as decisões mais recentes. Cerca de duzentos anos haviam-se transcorrido desde que o Rabi Yossef Caro publicara sua obra-mestra, o Shulchan Aruch, e através desse período, gerações de grandes sábios foram acrescentando e esclarecendo o que viria a ser a palavra final na discussão da Lei Judaica.
Rabi Shneor Zalman deu plena consideração a esses duzentos anos de comentários sobre o Shulchan Aruch, e por meio de cuidadosa edição, apresentou o Código de Lei Judaica de forma precisa e prática que acabou sendo reconhecido não só pelo mundo chassídico, mas por eruditos de todas as correntes.
Durante os anos de luta e intensas ações em prol da melhoria da vida espiritual e das condições econômicas dos seus correligionários, o Rav desenvolveu a sua magnífica filosofia da Chassidut Chabad. Ele colocou a idéia do Tsadic, justo, como um guia espiritual, um mestre-professor e não alguém com poderes ou um milagreiro.
O chassid devia se treinar para uma vida de fé e avodá (serviço) que o levaria ao mais alto nível de ChaBaD, acróstico de Chochmá (Sabedoria), Biná (Entendimento) e Daat (Conhecimento), formando um elo entre o Céu e a Terra. Sobre esse pensamento básico, Rabi Shneor Zalman construiu a estrutura da ideologia Chabad. O homem completo serve a D'us com a mente, o coração e a ação, um conectado e completando o outro: a mente compreende, o coração sente e a mão executa.
A essência dos ensinamentos do Rabi Shneor Zalman pode ser encontrada em sua contribuição maior para a literatura rabínica: o Licutei Amarim, mais conhecido como o Tanya (chamado assim pela primeira palavra desse tratado). Ele contém um esboço conciso do seu sistema filosófico como um modo de vida, e atesta seu vasto conhecimento, tanto exotérico como esotérico, de nossos sábios. O Tanya foi e continua sendo um texto sagrado para os milhares de seguidores de Chabad.
Rabi Shneor Zalman, conhecido pelos adeptos de Chabad como o "Alter Rebe" foi também autor de muitas outras obras clássicas da literatura Chabad.
Com a rápida expansão do movimento chassídico sob sua liderança, seus oponentes recorreram às medidas mais extremas para solapar seu trabalho. Ele foi denunciado ao governo russo como um traidor e herético, uma acusação levantada também contra outros Rabis chassídicos.
Em 1798, Rabi Shneor Zalman foi preso e levado para a capital, S. Petersburgo, onde foi atirado à masmorra, para enfrentar julgamento por traição e atividades políticas subversivas.
Numerosos são os relatos sobre sua sagacidade, presença de espírito e majestosa postura que atestam a impressão causada sobre a comissão czarista responsável para julgar o seu caso. O Czar Paulo I, incógnito, e outros homens da mais alta posição social e política, visitaram-no a fim de testar a sua sinceridade e visualizar sua sabedoria. Em 19 do mês hebraico de Kislêv, de 5559 (1798), foi libertado por ordem expressa do Czar. Essa data, até nossos dias, tem sido comemorada entre os chassidim.
Menos de dois anos após a primeira tentativa, a oposição extremada denunciou novamente o Rabi, sob falsas acusações. Novamente foi levado à capital russa, encarcerado e novamente libertado com a aprovação do Czar Alexandre I, que partilhava da admiração do seu predecessor pelo venerável líder do movimento chassídico lituano, consciente de sua inocência.
Durante a guerra russo-francesa, o Rabi aliou-se à causa russa, e por meio da cooperação de seus seguidores, prestou grandes serviços ao Alto Comando russo. Outros líderes chassídicos manifestaram-se ruidosamente em suas aclamações a Napoleão, que prometia liberdade e igualdade a todos os oprimidos, inclusive aos judeus. Mas Rabi Shneor Zalman percebeu que a disseminação da influência francesa poderia trazer danos morais maiores do que toda a hostilidade do regime czarista.
Acompanhado por sua família e alguns dos seus discípulos mais chegados, saiu à frente dos exércitos franceses. Embora tenha escapado da captura por diversas vezes, seu frágil corpo não resistiu às tremendas dificuldades da fuga e acabou ficando gravemente enfêrmo, falecendo em Piena, pequena aldeia perto de Cursk, em 24 de Tevet de 5573 (1813). Foi sepultado no cemitério judeu em Hadits, próximo à Poltava.
Costuma-se dizer: "Em Vilna eles sabiam como estudar; em Mezritch eles sabiam como rezar."
Rabi Shneor Zalman, o santo sábio de Liadi, sabia como fazer ambas as coisas. Ele construiu uma ponte sobre a brecha existente entre coração e mente com a sua síntese magistral da emoção e do intelecto dentro da estrutura da ideologia Chabad.
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